26 de dezembro de 2008

o que diz a chuva

No dia 24 de dezembro, um enorme arco-íris cruzou o céu da cidade, pousando uma de suas extremidades no Morro do Corcovado, onde fica o Cristo Redentor. Suas cores brilharam, nítidas, até se esvaírem no céu cinzento da tarde. A manhã do dia 25, Natal, amanheceu nublada. A chuva logo cobriu os cantos da cidade, forte para se fazer notar, mas não forte o bastante para trazer destruição. Por trás do céu cinzento havia uma luminosidade difusa, um pedido preciso. A chuva parecia dizer: "calma, ouça, sinta o lado de dentro, o avesso das coisas. Venha, não tenha medo, chore quando é para chorar, ria quando é para rir. Isso é a alegria." Sejamos assim em 2009, corajosos e transparentes como as crianças.

17 de dezembro de 2008

quem conta um conto aumenta um ponto

Narramos tudo o tempo todo. O que vimos na feira, o que ouvimos no ônibus, o que aconteceu na pracinha, o que o beltrano disse, o que o sicrano contou. Descrevemos o tempo, o jogo de futebol, a consulta médica.

Os relatos sintéticos dão nervoso na gente – “ah, o show? foi legal”, “a festa? tava boa”. São tão rápidos que não rendem um fio sequer de enredo. E no reino da narrativa queremos nos enredar para ter o que desenrolar.

Outro dia, meu sobrinho, única criança numa festa enfadonha de adultos, se safou do tédio com um incrível brinquedo invisívelpalavras. Fizemos uma rodinha de criar/contar histórias. Minha avó começou:

"Uma foca jogou para o alto uma bola. A bola rolava e rolava e não parava de rolar..."

A história foi passando de boca em boca, sendo tecida por cada pessoa e por todos.

"Cada vez que rolava, a bola crescia até cair no mar. A essa altura a bola estava maior que a Terra e o mar se esvaziou. No deserto onde antes havia o mar, a foca topou com uma zebra e ficou hipnotizada pelas listras prateadas. A foca começou a puxar as listras do corpo da zebra, que disse "Ui ai ui ai ui".

Um disco voador furou a bola gigante que, vazia, caiu em cima da foca e da zebra como se fosse um toldo. A zebra e a foca fizeram umas estacas com as listras da zebra e levantaram o toldo, criando um circo.

Depois perceberam um brilhinho incomum saindo pelas frestas do porta-malas do disco voador. Tcharam! Os ETs haviam roubado as estrelas! Como estava tudo escuro, a foca usou o que restava das listras da zebra para construir uma escada. Muito desajeitada, a foca subiu na escada para grudar as estrelas no céu do circo. Tudo ficou lindo, iluminado por focos (não focas!) de luz. Por um instante todos se esqueceram daquela situação pouco usual e aplaudiram. Os bichinhos do fundo do mar, agora deserto, que estavam fora do circo acharam que era dia de São João. As palmas pareciam estalinhos. "Mas como assim? Festa de São João em dezembro?", disse um deles, incrédulo. Os outros deram de ombros e continuaram com sua reunião sobre como trazer o mar de volta. Tinham pouco tempo. O oxigênio estava acabando.

Os ETs tentaram descobrir que bicho era a zebra. Chegaram à conclusão – olhando a sua enciclopédia "Bichos que Crescem na Terra” –, de que deveria ser um cavalo. A zebra e a foca tiveram um ataque de riso, pois sempre haviam ouvido dizer que os ETs eram muito espertos e agora eles não pareciam nada espertos.

De repente a Terra começou a tremer. As estrelas no teto do circo tremeluziam. Todos tentaram se enfiar dentro do disco voador, mas este era achatado e cabiam mesmo os ETs. A foca e a zebra tiveram que ficar em cima do disco voador. Por causa disso ele ficou ainda mais achatado.

Um elefante veio chegando vagarosamente, levantou a tromba e esguichou o mar inteiro sobre a Terra criando uma onda enorme como um tsunami. A sorte é que o disco voador virou um veleiro (o toldo do circo serviu de vela). Todos foram dar uma volta ao mundo, coisa que encantou os ETs, pois nunca na vida eles haviam apreciado os peixes e os golfinhos saltando da água, as gaivotas sobrevoando as ondas e o som melodioso das baleias."

E quem quiser que conte outra.

14 de dezembro de 2008

o ar fresco da serra

Marcamos a data. E desmarcamos a data. Foram várias as tentativas de subir até Petrópolis para apresentar a fada inflada para os alunos de música da Nana Carneiro da Cunha, que integra a nossa banda das fadas (e que também é ceramista, rara cozinheira, cultivadora de especiarias e orquídeas, violoncelista, cantora e compositora inspirada, hilária companheira de aventuras de toda sorte, e mais). O dia em que viajaríamos amanheceu chuvoso e cinzento, as pedras do Rio cobertas de névoa. Além disso, grande parte da banda não podia ir. Será que desmarcamos mais uma vez? De jeito nenhum!

À medida que subíamos a serra, a neblina foi ficando para trás. Aos poucos, o desvario de verde que margeia a estrada começou a limpar nossos olhos e pulmões. Dormimos na casa deliciosa da avó da Nana, depois de tomar sopa de abóbora e agrião. O dia seguinte estalava de tão límpido, azul, com nuvens gordas branquíssimas. Um vento frio percorria os corredores da casa. Corremos para o ciep Santos Dumont (companheiro perfeito para a fada), passando antes no centro da cidade para comprar o combustível para o vôo, hélio.

As crianças estavam nos esperando desde cedo. Cercaram o carro querendo nos ajudar a carregar as coisas. Cada leitura da fada é bem diferente. Dessa vez teríamos que cantar as músicas apenas acompanhadas de um pandeiro e um violão. Na verdade, a falta dos instrumentos e de marcações mais precisas deixou a gente mais livre para os gestos e o improviso. Cada palavra ganhou corpo. Cada careta puxou um movimento engraçado. E quando a fada "ficou cheia e saiu flutuando", corremos todos para fora do ginásio para vê-la desaparecer aos poucos numa nuvem graúda. As crianças acompanharam cada detalhe da leitura com tanta atenção e alegria que tudo virou mágica! Veja as fotos abaixo...

6 de dezembro de 2008

a trupe subindo a serra

desacertos graciosos

O dia nasceu azul. Corremos para o lindo jardim do Museu da República para apresentar a fada inflada na festa de 30 anos da escola Oga Mitá. Após tantas leituras tranqüilas ao longo do ano, a fada finalmente apresentou sua faceta endiabrada! Cheia de tropeços cômicos, a leitura nos rendeu boas risadas. Teatro é assim. Tem dia em que tudo está afinado. Tem dia em que os objetos de cena brigam com a gente e as palavras saem da boca de trás pra frente. A o vento fez travessuras. Levou a fada para o céu com a força de um aspirador gigante. E o pai mago, coitado, perdeu seu corpo triangular que foi parar na cabeça do Felipe – pai da Tati Altberg, da nossa banda. Mas nesse espetáculo, até o erro é acerto. Como diz um dos versos do livro: “Fada era tranqüila e comportada, travessa e endiabrada. Um pouco certinha e também estabanada”. A graça, afinal, é essa. Parabéns Oga Mitá!